A ilha central da Avenida Cruzeiro do Sul
Por Elisabeth Carvalho de Oliveira Salgado
Ao entrar no site znnalinha e no blog santana viva tomei conhecimento de uma discussão, que
já chegou aos jornais de grande circulação, sobre o destino do canteiro central da avenida
Cruzeiro do Sul. Aparentemente uma discussão sobre um local específico, que para muitos
pode soar insignificante, é, ao contrário, uma discussão muito rica, pois demonstra uma
atitude não conformista com o que se pratica no espaço público de nossa cidade.
Comunidades organizadas do bairro de Santana, zona norte de São Paulo, ficaram indignadas
quando descobriram que o canteiro central da avenida que corta o seu bairro, onde se fixam
os pilares da estrutura que suporta o metrô, estava sendo gradeado, sob o argumento de
impedir mendigos e assaltantes que se alojam sob a laje, ameaçando os comerciantes vizinhos
e quem por ali passa.
Obras viárias elevadas, quando não tem um bom projeto, que não contemple somente sua
função precípua de tráfego de veículos, mas resolva todos os espaços que, de alguma forma,
seja modificado ou criado por ela, são capazes de criar espaços que realmente carecem de
solução urbanística como este.
O que os moradores de Santana querem dizer para o poder público, a meu ver de arquiteta
urbanista, é que, já que não houve a preocupação de se fazer um bom projeto urbanístico,
integrado à obra viária, que ao menos se tenha agora a preocupação de buscar uma boa
solução urbanística para o espaço residual gerado por ela.
O problema dos assaltos provocados por bandidos que se escondem atrás dos pilares é real,
assim como é real o problema dos moradores de rua que se abrigam sob a laje, ajudando a
camuflar os assaltantes. Mas, não é com uma arquitetura anti-furtos e anti-mendigos, que se
resolve espaços urbanisticamente adequados à vida da população.
A sensibilidade da população moradora nas proximidades do viaduto aponta para soluções
bem mais eficazes que simplesmente gradear e tentar impedir o uso do local. As propostas
estudadas incluem local para caminhadas, ciclovias que passariam a fazer parte de um sistema
no bairro, e áreas vegetadas.
Um passeio pela cidade pode mostrar vários locais sob viadutos, que se degradam cada vez
mais, apesar de, ou por causa do seu gradeamento. São exemplos disso as áreas sob viadutos
da Baixada do Glicério, a área sob o viaduto da Av. Washington Luiz com a Av. Vicente Rao. Ao
contrário, o local sob a recém executada ponte estaiada, no encontro da Av. Água Espraiada com a Av. Luiz Carlos Berrini, por ser mantido limpo, gramado, bem iluminado e sem grades,
tem abrigado infraestruturas temporárias para eventos, e, embora não tenha um uso diário
por parte da população local, também não abriga nenhum outro uso que o degrade.
São Paulo já passou pela “síndrome das praças gradeadas”, da “arquitetura anti-mendigos”,
quando se acreditava ser válido e eficaz bancos que impedem o ato de deitar, cantos de
calçadas sob marquises com fileiras de grades baixas em lança. A experiência se encarregou de
demonstrar que nada desses apetrechos adiantou.
A consciência de que um bom projeto e a correta manutenção dos espaços públicos podem
substituir o seu uso e transformar um espaço degradado em um espaço de vida da população
moveu o poder público para, por exemplo, reformar a Praça Roosevelt. Muitas praças do
bairro do Brooklin Novo, cuja população recusou o seu gradeamento, hoje, quando mantidas
limpas e bem iluminadas são perfeitamente utilizadas pela população. Com o uso elas vão até
se especializando: há a praça dos bebês, a praça dos cachorros, a praça da igreja, etc.
Se a nossa própria cidade pode gerar bons exemplos, eles devem se estender para outras
situações.
O que os moradores de Santana querem é segurança e solução para os moradores de rua. A
meu ver, mesmo aqueles que optaram pela solução mais pragmática que é a do gradil, o
fizeram por não ter a experiência de que esta pode ser uma falsa solução.
A presença do poder público nas ruas, com policiamento, assistência social adequada, boa
iluminação e tratamento do espaço público garante por sua vez a apropriação deste espaço
pela população e, assim, uma substituição de uso, que vai garantir um processo de melhoria
constante do espaço.
O espaço urbano é algo que se transforma a cada dia, tal como um organismo vivo. Tudo que
impede o seu funcionamento, tenta congelar ou impedir o seu uso, acaba por ser
degenerativo. A solução está sempre na mudança da forma como o espaço é utilizado. Os
moradores se apropriando desse espaço, vão cuidar dele e cobrar a quem é de direito. O uso
adequado pode mudar o processo de degenerativo para regenerativo.
Ao invés de grades, que tenta apenas impedir um uso, porque não discutir um projeto que
gere um uso adequado do canteiro central da Avenida Cruzeiro do Sul com a população? Ideias
não faltam.
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Elisabeth Carvalho de Oliveira Salgado é arquiteta urbanista, sócia da Eco-Urbe consultoria e projetos, professora de urbanismo e paisagismo da Universidade Paulista – UNIP há 20 anos, autora dos livros: Plano de Bairro – no Limite do seu Bairro, uma Experiência sem Limites, Ed. do Autor e Plano de Bairro: Perus em Transformação, Ed. Companhia dos Livros.
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TAPANDO O SOL COM A PENEIRA OU
DE QUEM É ESSA CALÇADA
Gilberto
Cordeiro
arquiteto e
urbanista
Arquitetos e
urbanistas aprendem na faculdade que devem tomar cuidado com a paisagem e o
entorno, mas parece que essa visão da profissão esbarra com a realidade da
pratica diária. Talvez não sejam somente os arquitetos que visualizam esse
problema, mas também os cidadãos que no seu trajeto diário topam com calçadas
esburacadas e estreitas onde não se consegue caminhar sem correr riscos. Agora
além dos buracos, rachaduras, moradores de rua e ambulantes, os paulistanos têm
outros obstáculos para evitar e/ou desviar: o acesso às praças, monumentos e
áreas verdes da cidade, pois estão sendo gradeadas de tal forma que interferem
na paisagem de uma forma até arrogante. O motivo alegado: segurança!
Ao caminhar
pelas ruas de Sampa identificamos tantas distorções que se torna impossível
enumera-las: calçadas estreitas e/ou esburacadas e moradores de rua nas que são
largas e arborizadas criando situações de insegurança e repúdio, sujeira para
todo lado e muita, muita insegurança acompanhada pela angústia causada pela
impotência do cidadão comum em lutar contra essa terrível situação. Onde fica o
direito de ir e vir que prega a constituição? Direito esse tão defendido pelo
prefeito Gilberto Kassab? Esse direito é
apenas para moradores de rua, drogados e criminosos em geral? E nós?
Nesse
contexto citemos a recente atitude do Metro de levantar muros e gradear trechos
sob o viaduto do trem, atitude que vai contra esse direito de ir e vir,
alegando questão de segurança, pois muitos moradores de rua se abrigam sob o
viaduto. Mas se o leito abaixo da linha
é de propriedade do Metro, a responsabilidade com a paisagem e o entorno também
o é! E aumentada em muitos graus, pois a interferência da linha suspensa é
enorme no seu impacto visual. Em termos
urbanísticos este gradeamento cria um verdadeiro muro de Berlin, cortando
Santana em duas fatias: antes e após o metro! E o que é pior não resolve o
problema! Ao se caminhar pela cidade nos
defrontamos com áreas ditas públicas gradeadas, com mato crescendo, servindo de
refúgio de mendigos, drogados e sem teto, que ali escondem drogas ou se
abrigam, pois basta pularem as grades. No trecho especifico da Avenida Cruzeiro do
Sul é fácil antecipar o que irá ocorrer, e para isso nem é preciso bola de
cristal – os moradores de rua simplesmente usarão as calçadas mais largas da
avenida, nas suas laterais para mendigarem e passarem a noite, enquanto os
canteiros protegidos servirão para guardar a “muamba” em segurança.
Esse
problema faz parte de um contexto maior e mais duro de liquidar, mas existem as
leis para isso - mas quem cala consente e quando se cala a população as leis
caem em “desuso”. Ficar quieto neste momento significa concordar que esse problema
não tem solução! Como agente social o
Metro deveria considerar o grau de interferência que produz no contexto urbano
e não só visualmente, uma linha férrea é uma verdadeira cicatriz no tecido
urbano e cicatrizes incomodam! O fato de possuir trilhos sobre um viaduto não
minimiza o contexto. É notório que na
malha urbana, trechos situados próximos a terminais de transportes acabem por
se deteriorar, atraindo pequenos “hotéis” de alta rotatividade, “casas de
massagem e drinks”, ambulantes, mendigos...
Com relação
aos novos terminais o Metro tem se esforçado no sentido de evitar esses
tropeços, que acontecem quando isolamos o problema e sua solução do seu contexto social; o gradeamento só reforça essa ideia e
não soluciona.
A prefeitura
de São Paulo criou em 2006 o programa “passeio Livre”, que reformou as calçadas
da Avenida Paulista em 2008. As obras foram bancadas pela prefeitura e serviram
de cartão- postal do programa, o qual foi criado para promover a padronização
do calçamento da cidade e também para estimular o financiamento dos projetos de
recuperação pela iniciativa privada, pois esta recuperação deve ser financiada
pelos proprietários dos imóveis lindeiros a estas calçadas. Como exemplos de
programas bem sucedidos temos as ruas Oscar Freire e Avanhandava. Na zona
norte, tivemos um princípio de organização em trechos da Rua Doutor Cesar em
Santana, nas avenidas Brás leme e Dumont Villares, embora não ainda completas.
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